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domingo, 6 de outubro de 2013

Crônica da vida introspectiva de um book da sociedade sem social

Vanessa Arruda
 
Uns nascem, outros morrem; uns acreditam que vão mudar o mundo, outros querem explodir o universo; alguns socializam com seus próprios umbigos; enquanto outros acham que um clique tem poder filantrópico.

Tantos aniversários, muita hipocrisia, pouca sinceridade, desejo por nenhuma privacidade. Outras vezes a controvérsia de impor limites e sigilo a uma versão pública da vida privada.

Espelhos e banheiros nunca foram tão populares. Biquinhos perderam seu charme e os seios que antes eram sensuais agora buscam a liberdade de expressão sem apertado monólogo. Enquanto isso os músculos ganham por quilômetros de vantagem do, muitas vezes último colocado, intelecto.

Sofrimento, desilusão e dor são sentimentos superestimados, inversamente proporcional a idade das vítimas, proporcional à nenhuma realidade em sentí-los.

O que manipula em pedir curtidas ou o que é tendencioso ao exigir compartilhamentos são os mesmos, que através de frases feitas e clichês, tentam ganhar alguma notoriedade, sem contribuir ou agregar conhecimento nem aprendizagem.

O que é popular e o que de fato é interessante quase nunca andam juntos e mesmo quando tentam parceria acabam desvirtuados de seu propósito. É uma preocupação maciça com o ‘como ser visto’, que acaba-se por perder o sentido da visão.

A autocrítica é uma utopia em um mundo onde o critério é julgar e o geocentrismo é a religião certa. Mas lembre-se que é indispensável ser #fashion e é o sustenido que marca a #BolaDaVez.

Fobia de ser só um mestiço ‘Zé Ninguém’, quando na verdade o medo deveria ser de quando o ‘social media’ vira vida e a vida social só existe sem a associação com dois ou mais participantes.

Mas eu sou só mais um e não é meu desejo desmerecer a vida do controle social moderno, mesmo quando esse tal de Controle se assemelha a mais uma ideononlogia. Pelo contrário: dou like, eu share, add um comentário e ainda solicito inbox para que meus queridos candy-friends façam o mesmo.

Não serei eu que irá mudar o rumo das coisas como elas são, e longe de mim tamanha responsabilidade... afinal é a diversidade que torna esse picadero cheio de atrações tão mais interessantes. E na minha mente lembro até do slogan: "Esquadrão Voador do Circo Benzini, O maior espetáculo da Terra"
 
 
Ei pessoal! To sumida, sei bem, mas tô aqui de volta e vou tentar (mais uma vez) ser frequente nessa casa. Segue um vídeo perfeito, um comercial tailandês sobre um ladrão:


E como agregar bom conhecimento nunca é demais, deixo mais uma crônica, do Fernando Sabino. Perfeita a meu ver (um dia chego lá)! =)

A última crônica 
Fernando Sabino

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
 

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